Por José Sousa Dias
Aspecto de uma ponte na estrda S. Domingos-Varela
Longe dos seus tempos áureos, Varela, no extremo noroeste da Guiné-Bissau, é hoje uma povoação triste, desoladora e isolada, cuja meia centena de pescadores ainda confia no mar generoso e, sobretudo, em Deus.
"Dieu est avec nous (Deus está connosco)" é o nome de uma das mais de duas dezenas de pequenas embarcações, cavadas em espessos troncos de árvore, em que diariamente os pescadores se fazem ao mar para retirar das quentes águas o alimento de subsistência, que se juntará, mais tarde, aos que se recolhem da terra.
A época das chuvas ainda está longe de terminar, lá para fins de Outubro, os solos estão exaustos e saturados de tanta água e, à chuva, com os ventos que a anunciam, os pescadores de Varela são ainda aqueles que mais fé têm, aventurando-se quando há uma aberta.
Pobres, extremamente pobres, falando entre eles em francês, wolof (crioulo senegalês), flupe (ou njola, dialecto local) ou ainda em crioulo guineense – poucos são os que falam português -, não sorriem quando o jornalista lhes pergunta sobre as informações que dão conta de que Varela se tornou num dos pontos de partida para as novas rotas da imigração clandestina, mas sabem, isso sabem, que lhes poderia trazer muito dinheiro.
Não sorriem, mas sonham. Não com o dinheiro que poderiam eventualmente ganhar caso soubessem quemestá por trás dessa "máfia", mas apenas em levar uma vida mais digna numa povoação que, não há muito tempo, talvez dois três anos, era o "ex-libris" do turismo guineense, fazendo sombra às exóticas praias do arquipélago dos Bijagós.
Hoje, Varela, a pouco mais de quatro quilómetros da fronteira com o Senegal, é uma sombra de si mesma, com grande parte das casas destruídas devido à força dos ventos anunciadores da chuva ou em ruínas face ao abandono dos seus locatários, grande parte deles a viver em Bissau. "Não há dinheiro para nada. Não há dinheiro a circular em Varela. Não há comércio. Os hotéis estão todos fechados e em ruínas. Só comemos o que os pescadores nos trazem, que trocam pelo arroz que os agricultores cultivam", lamenta-se à Lusa Landim Sadjo, o presidente do Comité de Estado de Varela. No cargo desde a independência formal da Guiné-Bissau, em 1974, Landim Sadjo lembra que as razões são sempre as mesmas: conflitos militares, irresponsabilidade do poder central de Bissau e a "infelicidade" que é residir fora da capital guineense, não dispondo de um único médico nem enfermeiro, pois o mais próximo está em São Domingos, 55 quilómetros a leste.
Varela está, mais uma vez, totalmente isolada. Só que, desta vez, a coisa é séria, pois o acesso à povoação é bastante complicado, não há luz eléctrica, telefone fixo é apenas uma recordação e até as novas tecnologias, como o uso dos telemóveis, estão colapsadas. Malun Indjai é o proprietário de uma "boutique" que vende latas de leite concentrado e condensado, latas de tomate, de milho, velas e pão, entre calções em segunda mão e chinelos empoeirados a um canto.Há cerca de três meses, através de um complicado sistema de "antenas", conseguiu captar o sinal das redesde telemóvel do vizinho Senegal e é ele quem assegura(va) as comunicações com o exterior. Mas, azar, as antenas da luxuosa Cap Skirring (Senegal), a sete quilómetros em linha recta, também avariaram.
Acessível apenas pela "estrada" que parte de São Domingos, percorrê-la é, no entanto, neste momento, um verdadeiro inferno, pois as "bolanhas" (campos de cultivo) estão saturadas com a água das chuvas e inundaram literalmente a já debilitada picada, em que qualquer viatura mergulha sem dó nem piedade. A agravar ainda mais a situação, a ponte de madeira que liga a picada de cerca de 20 quilómetros entre
Susana e Varela foi destruída após um acidente com um camião carregado de arroz para a população local, inutilizando-a "até que alguém se lembre" de a reparar. "Já avisámos as autoridades de São Domingos, que disseram que iriam avisar Bissau. Mas até hoje não se obteve resposta. Vai assim ficar até alguém se lembrar", lamenta Landim Sadjo, recordando que a situação já era difícil com as minas terrestres ali colocadas em Abril pelos rebeldes de um movimento independentista senegalês.
Segundo Landim, durante dois meses não se circulou naquela via, uma vez que haviam minas terrestres e só depois da explosão de uma delas, que vitimou 14 dos 30 civis que seguiam na "candonga" (viatura de transporte de passageiros), é que começaram a retirá-las. A passagem ficou aberta um mês depois, mas os rebeldes do Movimento das Forças Democráticas de Casamança (MFDC) já as tinham também disseminado pelos campos de cultivo, privando os agricultores locais de os trabalhar, valendo-lhes a ajuda internacional, a mesma que levaria o arroz no camião que se encontra ainda dentro do ribeiro que passa por baixo da inutilizada ponte de madeira.
Hoje em dia, o sector de Varela, que congrega também 14 tabancas (povoações), conta apenas com cerca de cinco mil habitantes, mais 500 que há 10 anos.O posto da polícia desabou e o comando é agora no quarto/casa do filho de um dos três polícias da povoação. Não há aquilo a que se possa chamar rua. Mas todos parecem resignados à sua sorte. "Dieu est avec nous".
JORNAL SOL PORTUGUÊS (CANADÁ) – 13.10.2006