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Quinta-feira, 4 de Janeiro de 2007
Guiné-Bissau:Deus está em Varela, uma povoação triste, desoladora e isolada

Por José Sousa Dias

                                             Aspecto de uma ponte na estrda S. Domingos-Varela

Longe dos seus tempos áureos, Varela, no extremo noroeste da Guiné-Bissau, é hoje uma povoação triste, desoladora e isolada, cuja meia centena de pescadores ainda confia no mar generoso e, sobretudo, em Deus.

"Dieu est avec nous (Deus está connosco)" é o nome de uma das mais de duas dezenas de pequenas embarcações, cavadas em espessos troncos de árvore, em que diariamente os pescadores se fazem ao mar para retirar das quentes águas o alimento de subsistência, que se juntará, mais tarde, aos que se recolhem da terra.

A época das chuvas ainda está longe de terminar, lá para fins de Outubro, os solos estão exaustos e saturados de tanta água e, à chuva, com os ventos que a anunciam, os pescadores de Varela são ainda aqueles que mais fé têm, aventurando-se quando há uma aberta.

Pobres, extremamente pobres, falando entre eles em francês, wolof (crioulo senegalês), flupe (ou njola, dialecto local) ou ainda em crioulo guineense – poucos são os que falam português -, não sorriem quando o jornalista lhes pergunta sobre as informações que dão conta de que Varela se tornou num dos pontos de partida para as novas rotas da imigração clandestina, mas sabem, isso sabem, que lhes poderia trazer muito dinheiro.

Não sorriem, mas sonham. Não com o dinheiro que poderiam eventualmente ganhar caso soubessem quemestá por trás dessa "máfia", mas apenas em levar uma vida mais digna numa povoação que, não há muito tempo, talvez dois três anos, era o "ex-libris" do turismo guineense, fazendo sombra às exóticas praias do arquipélago dos Bijagós.

Hoje, Varela, a pouco mais de quatro quilómetros da fronteira com o Senegal, é uma sombra de si mesma, com grande parte das casas destruídas devido à força dos ventos anunciadores da chuva ou em ruínas face ao abandono dos seus locatários, grande parte deles a viver em Bissau. "Não há dinheiro para nada. Não há dinheiro a circular em Varela. Não há comércio. Os hotéis estão todos fechados e em ruínas. Só comemos o que os pescadores nos trazem, que trocam pelo arroz que os agricultores cultivam", lamenta-se à Lusa Landim Sadjo, o presidente do Comité de Estado de Varela. No cargo desde a independência formal da Guiné-Bissau, em 1974, Landim Sadjo lembra que as razões são sempre as mesmas: conflitos militares, irresponsabilidade do poder central de Bissau e a "infelicidade" que é residir fora da capital guineense, não dispondo de um único médico nem enfermeiro, pois o mais próximo está em São Domingos, 55 quilómetros a leste.

Varela está, mais uma vez, totalmente isolada. Só que, desta vez, a coisa é séria, pois o acesso à povoação é bastante complicado, não há luz eléctrica, telefone fixo é apenas uma recordação e até as novas tecnologias, como o uso dos telemóveis, estão colapsadas. Malun Indjai é o proprietário de uma "boutique" que vende latas de leite concentrado e condensado, latas de tomate, de milho, velas e pão, entre calções em segunda mão e chinelos empoeirados a um canto.Há cerca de três meses, através de um complicado sistema de "antenas", conseguiu captar o sinal das redesde telemóvel do vizinho Senegal e é ele quem assegura(va) as comunicações com o exterior. Mas, azar, as antenas da luxuosa Cap Skirring (Senegal), a sete quilómetros em linha recta, também avariaram.

Acessível apenas pela "estrada" que parte de São Domingos, percorrê-la é, no entanto, neste momento, um verdadeiro inferno, pois as "bolanhas" (campos de cultivo) estão saturadas com a água das chuvas e inundaram literalmente a já debilitada picada, em que qualquer viatura mergulha sem dó nem piedade. A agravar ainda mais a situação, a ponte de madeira que liga a picada de cerca de 20 quilómetros entre

Susana e Varela foi destruída após um acidente com um camião carregado de arroz para a população local, inutilizando-a "até que alguém se lembre" de a reparar. "Já avisámos as autoridades de São Domingos, que disseram que iriam avisar Bissau. Mas até hoje não se obteve resposta. Vai assim ficar até alguém se lembrar", lamenta Landim Sadjo, recordando que a situação já era difícil com as minas terrestres ali colocadas em Abril pelos rebeldes de um movimento independentista senegalês.

Segundo Landim, durante dois meses não se circulou naquela via, uma vez que haviam minas terrestres e só depois da explosão de uma delas, que vitimou 14 dos 30 civis que seguiam na "candonga" (viatura de transporte de passageiros), é que começaram a retirá-las. A passagem ficou aberta um mês depois, mas os rebeldes do Movimento das Forças Democráticas de Casamança (MFDC) já as tinham também disseminado pelos campos de cultivo, privando os agricultores locais de os trabalhar, valendo-lhes a ajuda internacional, a mesma que levaria o arroz no camião que se encontra ainda dentro do ribeiro que passa por baixo da inutilizada ponte de madeira.

Hoje em dia, o sector de Varela, que congrega também 14 tabancas (povoações), conta apenas com cerca de cinco mil habitantes, mais 500 que há 10 anos.O posto da polícia desabou e o comando é agora no quarto/casa do filho de um dos três polícias da povoação. Não há aquilo a que se possa chamar rua. Mas todos parecem resignados à sua sorte. "Dieu est avec nous".

JORNAL SOL PORTUGUÊS (CANADÁ) – 13.10.2006



publicado por jambros às 08:41
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Quarta-feira, 3 de Janeiro de 2007
Acentua-se o ciclo de desaparecimento físico da geração de históricos da libertação

           

 Rafael Barbosa

       

    Vasco Cabral

 

      Benjamim P. Bull

A morte de Rafael Barbosa confirma o ciclo vertente de desaparecimento físico da geração da luta pela independência (so em 2005, registaam-se a morte de Benjamim Pinto Bull morreu em Janeiro , de Estêvão Tavares, em Fevereiro, e de Vasco Cabral, em Agosto), o qual, alias, deveria alertar o Estado da Guiné-Bissau para a necessidade de inequívoca e definitivamente assumir uma postura de apoio à elaboração da Historia Contemporânea do pais, com o concurso dos protagonistas que ainda se mantêm vivos.

Leopoldo Amado



publicado por jambros às 09:47
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Odiado e idolatrado, assim era Rafael Barbosa!

Bissau - Rafael Barbosa,

    Leston Bandeira 

In http://o-romeiro.blogspot.com/2005/08/bissau-rafael-barbosa.html

 

Rafael Barbosa, fotogrado por Leopoldo Amado em 1989
Entre 1978 e 1980 tinha trocado com o Xavier algumas opiniões sobre o projecto que ambos idealizávamos - um Jornal sobre África. A minha ida para Bissau era a grande oportunidade de reavivarmos o sonho. Ele esteve 15 dias comigo e não perdemos a oportunidade. Lembro-me que, naquela altura, considerámos não ser ainda oportuno arrancar com ele. Não só porque as condições políticas não eram favoráveis, mas também porque seria difícil arranjar dinheiro.

Para ambos, a questão do dinheiro era menor, já que tínhamos a certeza que iriamos fazer um bom jornal e a qualidade mobilizaria os apoios necessários (tão lunáticos que cheiram a idiotas...).

Durante a nossa estadia conjunta em Bissau, o Xavier falava todos os dias no seu grande desejo de entrevistar o Rafael Barbosa, que estava em prisão domiciliar numa casa de primeiro andar, mesmo defronte do gabinete do chamado Comissário Principal (primeiro-ministro). Era um espectáculo: ao fim da tarde, toda aquela gente que saía da cidade e se dirigia para os subúrbios,para as respectivas casas, passava em frente à casa, onde, na varanda, estava sentado Rafael Barbosa. Toda a gente curvava a cabeça em respeitoso e discreto cumprimento.

Aquele homem, que tinha sido condenado à morte, libertado durante o 14 de Novembro, directamente para a Rádio onde foi anunciado como "um dos melhores filhos da nossa terra" e foi ovacionado por toda a cidade como se se tratassse da multidão de vários estádios de futebol juntos e onde fez um discurso anti-soviético, anti-cubano e anti-cabo-verdiano talvez tivesse sido uma hipótese de saída. Talvez...mas a verdade é que não se pode estar contra tudo e todos.

Ora bem, um dia, comigo a conduzir a Diane vergonhosa que a ANOP tinha em Bissau, saímos para dar uma curva e vermos, mais numa vez, o espectáculo da prestação de homenagem ao Rafael Barbosa. Chegados em frente à casa do homem, parei o carro,pus nas mãos do Xavier uma máquina fotográfica e um gravador e disse-lhe: "anda...sobe!"
Ele assim fez. Quando lá chegou, o polícia que tomava conta do "prisioneiro" mandou-o entrar. "O homem está à sua espera..." O Xavier ficou surpreendido, mas avançou e lá contou ao que ia. No meio da conversa ambos perceberam que tinha havido um equívoco. Barbosa estava à espera de um cooperante holandês e como o Xavier é mais parecido com um holandês do que com um português, ali estava a aproveitar o bigode loiro e a semelhança com os homens do Norte.

Fizeram a entrevista, gravada e com fotografias. Rafael disse tudo, ou pelo menos o que lhe interessava dizer. Era um documento importante, daqueles que qualquer jornalista gosta de ter em sua posse. Nessa noite comemorámos o acontecimento.

Um ou dois dias depois Xavier abandonou Bissau e entre nós tinha ficado combinado que qualquer coisa que ele fizesse sobre a Guiné Bissau teria de ser assinado, para que não houvesse confusões e não me fossem atribuídos os textos deles.

Entretanto, eu montei a minha rede (jornalista sem rede é palhaço). Entre os seus membros tinha um interlocutor directo de Rafael Barbosa, que, entretanto, tinha sido levado para uma cadeia a sério, junto ao Porto de Pidjiguiti.

Rafael Barbosa era precioso porque a sua capacidade de persuasão era tão grande que, em pouco tempo, tinha os carcereiros na mão. Além disso conhecia todos os homens que naquela altura constituiam a super-estrutura do Estado e alguns deles iam falar com ele à prisão.

Não resisto contar aqui, entre parêntesis uma estória interessante sobre um deles - o Yafai Camará, vice-presidente de Nino Vieira:no final da guerra, em 1974, Camará era analfabeto - não tinha havido tempo para a escola. Os camaradas do PAIGC levaram-no para o Mindelo, onde o matricularam na Escola, No final do ano, Yafai passou a terceira classe e os camaradas foram felicitá-lo . " Muito bem, Yafai, agora tens que fazer a quarta...""...Cusé tene mas?" ( o quê tem mais?) - perguntou o aflito estudante, futuro vice-presidente da República da Guiné Bissau.

Além do noticiário normal, muito do qual surpreendia claramente as autoridades guineenses, cuja estrutura suprema era um Conselho da Revolução (poucos deles sabiam que eu já tinha estado em Bissau e tinha, portanto, um conhecimento razoavelmente bom do tecido social), fazia muitos textos de opinião sobre a situação - alguns dos quais, com ligeiras diferenças, apareciam em jornais portugueses assinados por ilustres jornalistas "especialistas em assuntos africanos".
Nesses textos de opinião defendia muito claramente o diálogo com Cabo Verde e a reunião entre Aristides Pereira e Nino Vieira, que chegou a estar marcada para 12 de Março, no Maputo.

Estes textos desagradavam claramente a uma facção do Conselho da Revolução, comandada por Vitor Saúde Maria.


publicado por jambros às 09:30
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Morreu Rafael Barbosa, pioneiro e histórico da epopeia da libertação

 

O militante nacionalista guineense Rafael Barbosa morreu hoje, em Dacar, Senegal, para onde tinha sido evacuado em tratamento médico, disseram à Lusa fontes da família do defunto e da Presidência da República.

Rafael Barbosa, de 81 anos, fora evacuado a semana passada para Dacar, a expensas da Presidência da República, em tratamento médico, depois de ter estado internado nos cuidados intensivos do Hospital Simão Mendes, em Bissau.

Fonte familiar disse à Lusa que o histórico nacionalista guineense faleceu hoje no hospital Central de Dacar, onde se encontrava em «tratamento acompanhado».

Neste momento de dor e luto para a família e para os guineenses em geral, gostaria de expressar os meus mais sentidos pêsames a família enlutada, deixando para depois a tarefa de assinalar este infortúnio com um trabalho que não deixara certamente de realçar o papel deste extraordinário nacionalista no processo que conduziu a Guiné-Bissau e Cabo-Verde a independência.

PS: Escrevemos sem acentos, pois encontramo-nos em Paris e não dominamos o teclado local.

Leopoldo Amado



publicado por jambros às 00:57
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